quarta-feira, 19 de julho de 2017

SE EU FOSSE IRACEMA CHEGA À CABO FRIO



Se eu fosse Iracema surgiu a partir de uma carta escrita em 2012 pelos guarani e kaiowá em que eles pediam que se decretasse sua morte em vez de tirá-los de suas terras. O fato chamou a atenção de Fernando Nicolau e Fernando Marques, que começaram uma intensa pesquisa acerca da questão indígena no Brasil. A eles juntou-se a atriz Adassa Martins e os três desenvolveram o espetáculo que estreou em abril de 2016 no Sesc Tijuca, Rio de Janeiro. O solo chega à Cabo Frio, com o apoio do Cereall Gourmet Restaurante, para duas únicas apresentações, nos dias 22 e 23, às 20h, na I Mostra Quintal de Teatro. Além das apresentações, o grupo fará uma oficina - Carta para um breve encontro. As apresentações na cidade tem um sabor especial: Adassa Martins começou a carreira na cidade e fez parte do Grupo Teatral Creche na Coxia que produz a Mostra.



"Cabo Frio é minha terra de criação, onde tudo pra mim começou. Na escola, no Festival de Esquetes e depois no Creche na Coxia. Estar aqui com 'Se eu fosse Iracema' é de uma alegria que não me cabe, ainda mais sendo o Teatro Quintal, casa de Silvana e Ivan que tanto me formaram e acolheram. E claro, ecoar a questão dos povos indígenas em mais cidades é sempre o nosso desejo e motivação", declarou a atriz.



Desde a estreia, o espetáculo tem tido excelente repercussão junto ao público e à crítica. Foi escolhido como melhor figurino pelos Prêmios Shell, APTR e Cesgranrio no ano de 2017. Além de indicações para Adassa Martins na categoria atriz no Prêmio Shell e APTR e indicação para Fernando Marques na categoria autor no Prêmio APTR. Segundo o crítico Valmir Santos, "o tripé composto de atuação, dramaturgia e direção sustenta uma teatralidade notável". A peça lança mão de materiais como trechos da Constituição de 1988, falas inspiradas em discursos de ruralistas ou do poder público, mas estrutura-se fundamentalmente em ritos e mitos de passagem ligados às várias fases da vida. “Escolhemos trabalhar o ciclo da vida: a origem do mundo, a infância, a adolescência, a fase adulta na figura da mulher e o ancião, na figura do pajé chegando ao fim do mundo”, explica o diretor. Esse ciclo, no entanto, não é colocado de forma linear e traz referências a etnias diversas. Fernando Marques ressalta que essa variedade "foi fundamental, porque não queríamos falar sobre uma ou outra etnia, mas buscamos um olhar abrangente sobre os povos originários, que são muitos e diversos". Entre as referências, estão ainda filmes como Índio cidadão?, de Rodrigo Siqueira; Belo Monte, anúncio de uma guerra e A lei da água, ambos de André D’Elia. Recém-lançado no Brasil, o livro francês A queda do céu – Palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, também foi uma importante referência tanto para o autor quanto para o diretor. Obras de Darcy Ribeiro, Alberto Mussa, Betty Mindlin e Manuela Carneiro da Cunha também fizeram parte do processo, assim como encontros e entrevistas com estudiosos.



O espetáculo não tem a intenção de levantar bandeiras, mas de trazer à reflexão um assunto de extrema importância. Adassa Martins ressalta a necessidade "de ecoar essas vozes tão caladas desde 1500. Olhamos tão pouco para os índios, e as questões permanecem as mesmas até hoje". A atriz conta ainda sobre como desenvolveu uma interlíngua: “Ouvi os pajés e diversos índios falando em documentários e percebi os fonemas mais presentes. A ideia é criar uma fusão do português com uma língua indígena”. Além da interlíngua, há ainda trechos em guarani, traduzidos pelo cineasta indígena Alberto Álvares Guarani.

Nenhum comentário:

Postar um comentário